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sexta-feira, 31 de julho de 2009

C.Art 739 - Uma emboscada

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Emboscada

Algures no Norte de Angola - 1965

Tanto quanto me lembro, eram três as principais operações de contra-guerrilha usadas, habitualmente, pela tropa de Infantaria. Eram a emboscada – que consistia numa espera, em terreno favorável –, o golpe-de-mão – uma acção, tão surpreendente quanto possível, sobre um aquartelamento – e a batida – que envolvia um número elevado de efectivos, já que se pretendia criar um “corredor”, ladeado de tropa e batido por uma força, num movimento de êmbolo.

Esta última era pouco usada, pelo menos no meu tempo, devido aos muitos efectivos de que necessitava. O golpe-de-mão era a mais frequente.

Uma emboscada era um aborrecimento! Uma “seca”, como agora se diz. De facto, e em virtude da escassez de informações, sucedia permanecermos alguns dias, no mesmo local, em silêncio, sem fumar, e muitas vezes sem qualquer resultado. Por isso, começou a ser frequente levarem-se livros e revistas para melhor se passar o tempo quando se não estava de atalaia.

Esta fotografia é de um desses momentos, não de repouso, mas de cansativa espera!

VETERANO

C.Art 739 - Oficiais e Sargentos da C.Art 739

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(Ramos, Ventura, Cortes, Augusto, Tito Bouças, Barreira, Pontes, ??, e Catuna)

Leste de Angola - Luso - 1966

Não me recordo muito bem do momento desta fotografia. Inicialmente, pensei tratar-se de uma foto tirada no Lucusse, mas, reparando melhor na moradia que se vê atrás, inclino-me mais para a Cidade do Luso.

Embora aquartelada no Lucusse, a C.Art 739 fazia deslocar, com frequência, alguns Grupos de Combate ao Luso, onde ficavam às ordens do Estado-Maior da ZIL (Zona de Intervenção Leste). No intervalo das operações, os Grupos procuravam repousar, já que as acções eram muito frequentes. Sem querer ser peremptório, a fotografia será de uma dessas ocasiões de descontracção.

Aos ombros do Cap Tito Bouças (actualmente General. A última vez que tive o gosto de o rever, foi, salvo erro, no Porto, quando comandava a Região Militar) está o “Atraso de Vida”, de quem já não tenho esperança de notícias.


VETERANO

P.S. Por mais que me esforce, não me recordo do nome do segundo camarada a contar da direita. Se alguém me puder ajudar...fico, desde já, reconhecido.

V.


terça-feira, 7 de julho de 2009

O "Atraso de Vida"


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O Mussende, nos dias em que lá não parava a carreira de Nova Lisboa, era uma pasmaceira! Executados os diversos serviços – lenha, água, limpezas, etc. – normalmente acabados ainda antes do almoço, o calor abrasador da tarde convidava ao descanso nas tarimbas, ou a uma cerveja fresca no café do Leitão, porque pouco mais se poderia por lá fazer. Quando havia viaturas em condições, saía um jeep em patrulha, pelos arredores.

O Mussende era uma pequena localidade num cruzamento de estradas. Há muito tempo já, que por lá se haviam estabelecido “comerciantes do mato” (julgo que era este o nome que se lhes dava) cuja actividade consistia na compra, ou melhor, na troca, já que se não negociava a dinheiro, dos produtos indígenas por panos e outro tipos de mercadorias que os locais apreciavam.

Numa dessas tardes de modorra, ao chegar ao quartel, alguém me disse – se bem me lembro, foi o “Porto” - para ir ver uma “prenda” que por lá aparecera. Tratava-se de um pequenito mulato, magríssimo, que, segundo me contaram, havia sido encaminhado para o quartel pelos habitantes de uma sanzala onde havia sido abandonado pelos pais – um “bóer” e uma indígena – antes de partirem para Luanda.

Toda a tropa o rodeava e puseram-se a insistir comigo para que o recolhêssemos. Ordenei que, para já, lhe dessem alguma comida, visto aparentar fome. Assim fizeram e ele não se fez rogado. Após comer, deitou-se a dormir e para ali ficou mais de um dia, qual jibóia, a digerir o alimento.

Decidiu-se, democraticamente, que a criança ficaria ao nosso cuidado, desde que alguém se encarregasse, efectivamente, de velar por ele. Logo se ofereceu o “Japonês” e o pequenito passou a viver no nosso quartel. Via muito mal e, por essa razão, caía com frequência. Melhorou bastante com a alimentação que passou a ter, mas, em contrapartida, fartou-se de aprender “linguagem de caserna” que usava com a maior das inocências.

Como ninguém sabia o nome dele, alcunharam-no de “Atraso de Vida”.

Quando nos deslocámos para o Leste, acompanhou-nos, como se, sua família, fôssemos. Ficou recolhido na Casa do Gaiato de Benguela aquando do regresso da Companhia à Metrópole, em 1967. Se ainda for vivo, terá hoje, à volta de 50 anos e eu, confesso com alguma comoção, que gostava muito de saber do que foi feito dele!

VETERANO