Penso tratar-se da única fotografia tirada no Calulo, mas não tenho a certeza se, de facto, se trata do Calulo. Nela pode ver-se o "Mano" e o "Compadre" sentados à mesa e, atrás, um camarada, que não era do 4º. Pelotão, trajando à civil (e por isso penso que se trata efectivamente, da viagem aqui descrita). Será que alguém me poderá confirmar?
Quando o BART 741, findo o seu primeiro ano de comissão, trocou a Zona de Intervenção Norte pelo Centro de Angola (ver, AQUI uma excelente, embora breve, descrição dessa viagem), a minha Companhia, a CArt 739 aquartelou no Calulo e, quase sem parar, o Pelotão que eu comandava seguiu para o Mussende aonde chegou quase ao fim do dia. Fomos, como geralmente sucedia, recebidos com o entusiasmo próprio de quem vê, finalmente, quase cumprida a sua comissão e imagina já as alegrias do regresso próximo. Para nós, que chegávamos, era mais uma etapa mas, desta vez, sem grandes riscos.
O que para aqui agora interessa é referir que não cheguei a conhecer o Calulo.
O tempo foi passando com a lentidão aparente característica das pequenas localidades. Participava de um ou outro patrulhamento, correspondia ao convite de alguns dos fazendeiros dos arredores e ia caçando alguma coisa. Entretanto, o Comandante da Companhia, CapInf Ramiro M.Nascimento foi substituido pelo CapArt Tito Bouças (já General, comandou a Região Militar do Norte, em cujo QG cheguei a visitá-lo) que quis um dia, surpreender o Pelotão com uma visita não anunciada. Tanto quanto sei, pois encontrava-me ausente, terá manifestado o seu desencanto relativamente à localidade e, sem grande demora, regressou ao Calulo.
Por esse motivo, só conheci o novo Comandante algum tempo mais tarde. O Cap Tito Bouças era apenas um pouco mais velho do que nós e, tanto quanto me recordo, ainda solteiro, factos que, sem qualquer dúvida, terão contribuído para despertar a curiosidade feminina local, principalmente, de tudo quanto era menina casadoira. Verdade ou mentira, o certo é que, um belo dia, recebi uma mensagem no meu posto de rádio do Mussende, convidando-me para a festa de aniversário do Cap Tito, festa essa organizada pela sociedade civil do Calulo, mais propriamente, a ala feminina e casadoira já referida.
Vivia connosco um pequenito mulato, a quem alcunháramos de "Atraso de Vida". Padecia de ambliopia, mas era bastante querido por todo o grupo, grupo que se não privava de lhe ensinar toda a sorte de palavrões e de ditos menos próprios. Um dos vários que o rapaz tinha aprendido era a resposta à inevitavel pergunta "quem é o teu pai?". Imagine-se a hilaridade daquela tropa, quando ele, com a maior das inocências respondia: «é o c******». Enfim, brincadeiras. Nihil novum sub sole.
O "Atraso de Vida" foi encaixado no jeep e lá partimos para o Calulo, no dia aprazado. Pelo caminho, encontrei o Dr. Terrinha, tendo sido protagonista de mais um episódio com certa graça que deixarei para mais tarde. Já no Calulo, fui informado de que o Cap Tito deveria encontrar-se no local escolhido para a festa, ainda em fase de preparação. Para lá partimos e entrámos num pequeno salão, onde se dispunham sobre uma comprida mesa, as mais variadas iguarias, destacando-se, aos fracos olhos do miudo, o incontavel número de rebuçados e de pequenos doces espalhados sobre a toalha. O"Atraso de Vida" não viu mais nada, correu para a mesa e desatou a atestar os bolsos com tudo quanto podia apanhar, obviamente depois de ter enchido a boca com aquelas maravilhas que, jamais, havia visto.
As jóvens presentes acharam imensa graça, rodearam o "Atraso de Vida" e, enquanto o ajudavam a meter a doçaria para os bolsos fizeram-lhe as perguntas sacramentais: "Então, meu menino, como te chamas?" "Atraso de Vida", mal pôde responder o garoto, entretido a comer. "E, olha, quem é o teu pai?".
A resposta, inocente e dita com toda a naturalidade, foi a que se esperava, o que não diminuiu o interesse pelo pequenito que continuou muito acarinhado.
O "Atraso de Vida"
(O "Atraso de Vida" ficou na Casa do Gaiato de Benguela. Gostava bastante de saber o que terá sido feito dele)
Infelizmente para ele - e para nós também - naquele preciso momento fui chamado à presença do Cap Tito Bouças - que, só nessa altura conheci - o qual me ordenou o imediato regresso ao Mussende, a fim de, sem mais demoras, partir para Nova Lisboa, a caminho do Leste angolano. Por aquela mesma altura, acontecia o episódio AQUI narrado.
VETERANO