Páginas

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Saudade e Folclore

«clique na foto, para ampliar»
1965
Vista do Tôto

Havia quem dissesse que os períodos mais difíceis de suportar durante uma comissão no Ultramar eram os dois ou três meses iniciais e finais. Isto, obviamente, no que respeitava às saudades de casa, da terra e dos amigos e familiares que tínhamos deixado para trás quando embarcámos.

Hoje, tantos anos passados e por aquilo de que nos lembramos, reconhecemos que, efectivamente, tinha razão quem tal afirmava. Por vezes preferia-se estar fora, no mato, porque as preocupações da actividade operacional faziam, de algum modo, esquecer as saudades daqueles que nos eram queridos, saudades que regressavam em força quando, dentro do arame farpado, nos sentíamos mais tranquilos pela segurança que, geralmente, ele proporcionava. Como era o caso do Tôto.

Na messe de oficiais prestavam serviço, como ordenanças, dois soldados. Eram ambos minhotos de gema, um de Viana do Castelo – e que por isso, cremos, lhe chamavam o “Viana” - e um outro, ali dos lados de Guimarães, Horácio de seu nome. O “Viana”, tanto quanto nos constou, faleceu muito pouco tempo após o regresso, mas o Horácio felizmente vivo, é presença assídua nos nossos convívios anuais.

Sucedia, por vezes, reunirmo-nos na varanda que encimava as escadas exteriores de acesso à messe, aproveitando o fresco da noite, daquelas esplêndidas noites africanas onde miríades de estrelas, resplandecendo como diamantes, povoavam um céu infinito. Sem darmos por isso, a conversa, por vezes, esmorecia, porque a ela se sobrepunham as vozes daqueles dois, cantando em uníssono velhas canções do nosso folclore minhoto! No silêncio da escuta, o nosso pensamento rapidamente galgava a distância que nos separava de casa, trazendo-nos à memória, pais, namorada, mulher e, no meu caso até, o filho que ainda não conhecia. E a saudade recrudescia até o coração doer…

VETERANO

PS. Não queremos encerrar o postal sem deixar aqui a letra, tanto quanto dela nos recordamos, de uma das canções que o Horácio e o “Viana” cantavam. Julgamos tratar-se de uma canção popular bastante conhecida, mas foi, pela voz daqueles camaradas, que a ouvimos pela primeira vez. É que somos um citadino que só alguns anos depois descobriu o campo e toda a beleza que ele encerra (ou encerrava, já que a construção que por lá se vê não é, propriamente, paradigma do Belo. Enfim…).

Mas aqui vai o que nos recordamos:

Era meia-noite e cantava o cuquinho./Era meia-noite, no seu pinheirinho/Era meia-noite e cantava o cuquinho,/Cucu, cucu, cucu coitadinho!

Era meia-noite e cantava o grilinho./Era meia-noite, no seu buraquinho./Era meia-noite e cantava o grilinho,/Gri-gri, gri-gri, gri-gri coitadinho!

…E de mais não nos lembramos!

V.

1 comentário:

  1. Camarada de guerra Por esta porta de armas entrei e sai muitas vezes, e felizmente fomos dos que além da guerra tivemos sempre a feliz sorte do regresso a metrópole.Enquanto formos vivos são sítios que nos ficaram gravados na memória...

    ResponderEliminar