Dois camaradas, dois bons amigos
Fernando Babo e Carlos Fonseca
"O criador deste blogue comunicou-me há quatro dias que o meu antigo camarada Babo falecera em Setembro de 2009, conforme informação de sua filha Sandra.
Não o sabia doente e a informação teve o efeito de um inesperado murro no estômago. Decidi, então, alinhavar estas linhas evocativas da nossa vivência conjunta em Angola, e pedir o habitual e generoso acolhimento do “Veterano”.
Conheci o Fernando Babo – Fernando Pinto da Rocha Babo, de seu nome completo – quando, em Setembro de 1964, me apresentei no RAL 1, para integrar o BART 741, em formação.
Acabámos por ficar na mesma Companhia (a CArt 738) e fomos cimentando uma camaradagem ao longo do tempo que acabou por nos tornar amigos. De resto, não era difícil ser amigo do Babo. Creio que não havia um único militar da Companhia que não sentisse simpatia por aquele furriel-miliciano equilibrado e sensato.
A estas qualidades acresciam uma esmerada educação e uma apurada sensibilidade. Vou referir duas “histórias”a título de exemplo.
É do conhecimento geral que nos quartéis era normal o uso de uma linguagem que não primava pela elegância, sendo vulgar o uso do palavrão. A excepção na nossa Companhia era o Babo. Quando achava que alguma brincadeira estava a passar das marcas, utilizava uma expressão que nunca mais esqueci: olhava para o “abusador” e dizia-lhe com a sua pronúncia muito característica: “ Vai morder o S. João na pila!”. Note-se que não estou a adoçar a frase, usando um termo diferente; era mesmo assim, com delicadeza, que se expressava.
A sensibilidade manifestou-se, por exemplo, na comemoração do seu primeiro aniversário, em Lucunga.
Cada oficial e cada sargento tinha criado o hábito de, no dia do aniversário, oferecer um jantar com ementa melhorada – normalmente frango de churrasco - a todos os outros oficiais e sargentos.
Era uma ocasião em que o comandante da Companhia, capitão Rubi Marques, quebrava a rigidez do RDM (Regulamento de Disciplina Militar) e, excepcionalmente, autorizava o convívio entre aquelas duas classes, honrando-nos também com a sua presença. Habitualmente, cabia-lhe a tarefa de, em nome de todos, fazer um pequeno discurso de parabéns, que também fez nesse dia.
Depois, foi a vez de o Babo tomar a palavra para agradecer. Ao referir o significado que aquela reunião tinha para ele, frisou que, para todos os efeitos, naquele dia nós éramos a família que substituía a família verdadeira, forçadamente ausente, acentuando que, dadas as circunstâncias, o cap. Rubi Marques era uma espécie de segundo pai.
Foi então que, comovido, o nosso comandante – com fama (e proveito) de militar puro e duro – mostrou a sua faceta mais humanista. Comovido pela sensibilidade natural que o Fernando Babo pusera no discurso que acabava de ouvir, e para não chorar diante de todos nós, levantou-se inopinadamente, abandonou a sala, saltou para uma bicicleta que estava encostada à parede e, a pedalar vigorosamente, saiu do quartel – e da protecção do arame farpado - pela estrada (picada) fora, perante a surpresa de todos.
Acabámos por ir buscar uma viatura e recolhê-lo, por uma questão de segurança.
Era assim o efeito que a delicadeza tocante do Babo produzia nos outros.
Convivi com ele quase diariamente de Setembro de 1964 até Fevereiro de 1966, altura em que o BART 741 foi transferido para o Quanza-Sul. A CArt 738 ficou aquartelada na Gabela, mas o 4º pelotão, a que pertencia a secção que o Babo comandava, foi colocada em Porto Amboim.
Nesse último ano de comissão, apenas convivíamos algumas horas, quando lhe calhava comandar a “coluna” que vinha à Gabela. A excepção foi um mês em que, por troca com o furriel Miranda Dias, estive em Porto Amboim. Voltámos a ter muitas horas de conversa, normalmente sentados em frente ao mar. Era então que falávamos dos dias que custavam a passar e, já casado, ele se queixava das saudades da sua Fernanda.
Terminada a comissão, não voltou connosco. A chamada de familiares, foi para Moçambique com a esposa que, entretanto, se lhe tinha juntado em Luanda.
Embora tivéssemos falado algumas vezes ao telefone, só voltamos a encontrar-nos em Fafe, em 1994, no decorrer de um almoço com outros ex-militares da Cart 738, onde compareceu acompanhado pela esposa.
Esta é a minha homenagem a um amigo. A um Homem bom.
Confraternização de elementos da CCaç 715 (aquartelada na Missão, do Bembe) e da CArt 738
Fernando Babo, ao fundo, com uma garrafa na mão
Carlos Fonseca
CArt 738
«clique nas fotos, para ampliar»
Não me canso de ler estas palavras tão bonitas sobre o meu querido pai.Volto a agradecer o carinho aqui transmitido pelo amigo Carlos Fonseca.
ResponderEliminarMuito obrigada de coração.
Meu pai foi realmente um homem bom, sensato, delicado e de princípios nobres.
Teve um fim muito sofrido, padecia de doença rara do foro neurológico, huntington.Mas nunca perdeu os sentimentos nobres que o caracterizavam. Foi um grande lutador na doença, nunca deu tréguas e morreu de pé e sem sofrimentos e nos meus braços. Foi sempre o meu principal formador até ao fim.Partiu cedo demais mas sei que agora não sofre mais e esta perto da sua Fernanda,amor da sua vida.
Muito obrigada ao amigo Carlos Fonseca bem como ao amigo Joaquim Silva Pereira por alimentar este blog.
Um forte abraço
Sandra Babo