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quarta-feira, 28 de julho de 2010

Mussende Revisitado - Parte 3 --- A Caça

O autor do blogue e o SoldCond "Zé de Braga", à chegada às proximidades da lagoa aqui referida

Foi no Mussende que, pela primeira vez na minha vida, assumi a enorme responsabilidade de gerir, sob todos os aspectos – operacionais, alimentares, de saúde, de vestuário e tantos mais - o conjunto de pessoas que constituía um Pelotão. Não tinha qualquer tipo de experiência, pois não passava de um Miliciano de 23 anos que, até então, jamais se preocupara com semelhantes problemas. Estas questões, normalmente, apareciam resolvidas sem intervenção nossa, nunca tendo perguntado a mim mesmo como era que tal acontecia.

Contei, evidentemente, com a colaboração dos meus Sargentos, dentre os quais se destacava o 2º. Sargento Santa que, por ser de carreira, tinha toda uma experiência da burocracia do exército que a mim faltava. Todavia, a responsabilidade era minha, em virtude do meu posto e a idade atrás referida não era, obviamente, desculpa.

Vi-me, pois, na contingência de tentar obter localmente aquilo a que a terminologia da tropa apelidava de “recursos locais”, isto é – em teoria – deveria comprar, na povoação, aquilo que nos não era fornecido aquando das deslocações à sede da Companhia, para abastecimento. A título de exemplo refiro os frescos (hortaliças e fruta), carne e demais géneros de carácter facilmente perecível.

A carne foi, efectivamente, o mais fácil de resolver. Já no Tõto se criara uma equipa de caça que, com regular frequência, saía depois do jantar e que abastecia o quartel da carne necessária. Não era, de modo algum, uma situação autorizada, sobretudo por ser feita com a utilização de farolins que fixavam os animais para mais facilmente os abater, mas não era, também, abertamente condenada. Por um lado, devido à abundância de caça e, por outro, pela ausência de alternativa.

Carregando um antílope para o jeep, para o regresso à tenda

Dediquei-me, pois, à caça! Um civil, de que não recordo o nome, mostrou-me, um dia, uma enorme lagoa, rodeada de uma não menos enorme “chana”, onde não faltavam os mais variados antílopes – cuja carne era a mais apreciada. A carne da pacaça, animal igualmente muito abundante, tinha um certo gosto a capim, que a tornava enjoativa – onde ia beber uma manada de muitas centenas de animais (garanto que não exagero!). Era tão grande a manada que decidi, definitivamente, não utilizar o farolim, passando a caçar de dia e a pé. Quando chegávamos ao local, montávamos uma pequena tenda à frente da qual se acendia, à noite, uma fogueira para cozinhar a refeição e nos proporcionar algum aquecimento, pois as noites eram muito frias, por aquela época. Partíamos de madrugada, aproveitando, muitas vezes, o despertar dos animais, abatiam-se duas ou três peças, e um de nós regressava à tenda para trazer o jeep necessário ao transporte da caça abatida.


SoldApMet Dias o"Palhaço Grande" a caminho da tenda com uma peça abatida

O desmanche das peças já iniciado.
Reconhecem-se: SoldCond Alonso Varudo, "Compadre", SoldApMet Dias, 1º.CaboAt Manuel Pereira, "Bigodes" e um dos nossos cozinheiros, cujo nome não recordo

A Tenda
Reconhecem-se: SoldCond "Zé de Braga" e SoldAt Manuel Santos, "Bombeiro"
À esquerda pode ver-se o civil que nos indicou este magnífico local de caça (trata-se do Sr. José Bento, já aqui referido pelo seu Genro, o Sr. Francisco Fonseca)

VETERANO

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Reprimenda Merecida

TenCel Mário Martins Cabrita Gil

Penso que foi num dia de reabastecimentos que recebemos uma das raras visitas do nosso Comandante. A lembrança que tenho é a de um dia de intenso movimento no quartel do Tôto, possivelmente em virtude das numerosas colunas provenientes das várias unidades do Subsector. Não me recordo se o dia em questão coincidia com a escala do Nord Atlas que fazia a carreira militar Luanda-Tôto-Maquela do Zombo. mas julgo que sim. Havia gente que, por razões várias, tinha de deslocar-se de, ou para, Luanda e o meio de transporte era aquele avião. Havia. também, uma carreira civil, dos TAA, mas, como custava dinheiro, era usada, pelo menos pelos militares, apenas em último recurso.

Fosse como fosse o nosso Comandante estava, nesse dia, no Tôto e, tanto quanto me recordo, de muito mau humor. Porquê, igualmente não me lembro. Fardado, como sempre, de camuflado - nunca o vi fardado de outra maneira, nem mesmo num dia em que o encontrei em plena Luanda - atravessava a parada do quartel a passos largos interpelando todos com quem se cruzava, pelos motivos mais variados.

Quanto a mim, acabara de sair da messe de oficiais (que era no primeiro andar do edifício do antigo hotel do Tôto. No rés do chão, ficavam diversos serviços, como o gabinete do comandante da CArt, a secretaria, a enfermaria, etc.), descera as escadas e dirigia-me, precisamente, para a porta de armas, atravessando a parada no sentido contrário ao do nosso Comandante. Aqui sucedeu uma daquelas situações que, verdadeiramente, se não compreendem. Tão absorto me deslocava, preocupado, eventualmente, com qualquer assunto que, penso eu, seria de importância, cruzei-me com o Comandante mas sem o ver - é mesmo isso, não o vi! - o que poderá parecer impossível, dada a curta distância entre nós. Até hoje, e já lá vão cerca de 46 anos, nunca encontrei qualquer explicação para o facto, que, aliás, uma ou outra vez, se repetiu ao longo da minha vida. Foi como que uma "branca" que tivesse apagado tudo o que me rodeava, restando apenas eu e o problema que levava comigo.

Despertei para a realidade com a severa observação do TenCel Cabrita Gil, "Então, nosso Alferes, já se não faz a continência ao seu Comandante?", a que se seguiu um raspanete, inteiramente merecido, aliás, mesmo ali, à frente de uns quantos soldados que pararam estupefactos. Envergonhado pelo desrespeito para com uma pessoa que muito me considerava - em várias ocasiões, vários camaradas mo confidenciaram - balbuciei uma atabalhoada desculpa que não conseguiu, a ele, serenar a sua zanga e a mim apagar a sensação forte de mal-estar.

Quando regressei à messe, terminada que foi a minha diligência, já o Comandante lá se encontrava. Não me inibindo com as presenças, em sentido, como bom militar que me considerava ser, renovei o pedido de desculpa.

VETERANO


PS - Sob as escadas de acesso à messe, nidificava, no tempo próprio, um número enorme de andorinhas em ninhos de lama solidificada, ninhos estes que ficavam nas paredes, de uns anos para os outros. O CapArt Fernando Mira, a determinada altura, mandou efectuar uma limpeza e caiar as paredes, mas o certo é que, quando as andorinhas regressaram, não desistiram do local e, embora os ninhos já lá não estivessem, não demoraram muito tempo a construir novos. A natureza impunha as suas leis, independentemente da vontade dos homens.

PPS - Fui contactado, por correio electrónico, pelo Sr. Gonçalo Trigo Cabrita Gil, neto do TenCel Cabrita Gil, a quem, daqui, endereço os meus cumprimentos. Foi esse contacto o "leitmotiv" deste postal. E, prometo, haverá ainda outros mais. Fotografias, é que, infelizmente, não tenho.

SP

Foi sensivelmente no local onde se vêem dois militares que aconteceu o raspanete referido neste postal

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Pelotão e Grupo de Combate

4º. Grupo de Combate da CArt 739
(É a foto do cabeçalho do blogue)
Por várias vezes tenho usado aqui, de maneira quase indistinta, a palavra Pelotão e a expressão Grupo de Combate, referindo-me ao conjunto de militares que comandei em Angola. Obviamente não se trata da mesma coisa, e isso foi muito evidente na minha Companhia.
Quando, em 1963, iniciei a minha vida militar recebi, à semelhança dos restantes camaradas, um pequeno livro intitulado "Manual do Oficial Miliciano", que muito útil me foi nos diversos Regimentos por onde passei. Desapareceu dos meus pertences quando estes foram recolhidos do quarto onde me encontrava alojado, quando adoeci e fui internado no Hospital Militar. Julgo que tentei arranjar um na Feira da Ladra, mas sem êxito.
Secção Ventura
Em pé: SoldApMet Dias, SoldAt Varandas, FurMil Ventura, AlfMilInf Silva Pereira, SoldAt "Mano"
SoldApMet A.D.Santos ("O Palhaço) e 1º. Cabo ???
Daquele "Manual" constava o modo como se encontrava organizado, à época, o Exército Português. Obedecia àquilo a que se chamava a "organização ternária", isto é, as unidades formavam-se por grupos de três unidades do escalão inferior. "Grosso modo" três soldados constituíam uma Esquadra, três Esquadras constituíam uma Secção, três Secções um Pelotão, três Pelotões uma Companhia e assim sucessivamente. A partir de determinado nível era acrescentado um grupo mais, geralmente de especialistas, pelo que a "organização ternária" não era exactamente "ternária". O BArt 741, por exemplo era constituído por três Companhias Operacionais e uma CCS (Companhia de Comando e Serviços). Por sua vez, cada CArt era formada por três Pelotões de Atiradores e um Pelotão de Acompanhamento (teoricamente especializado em armamento pesado de Infantaria e, geralmente, comandado pelo Oficial especializado em Minas e Armadilhas).

Secção Santa

1º.CabAt Manuel Pereira "o Bigodes", SoldAt Leite, SoldAt "o Maçarico", SoldAt Almeida, SoldAt Teixeira "o Arouca" e 2º.SargArt Santa

Ainda durante a instrução no RAL 1 constatámos que a organização clássica não era lá muito adequada à guerra do Ultramar justificando-se, portanto, mudá-la.Vi-me, repentinamente, a dar instrução a um grupo de cerca de 60 soldados, pois decidira-se criar três "Pelotões" com, apenas, 25 homens cada um, encaminhando-se o restante pessoal para o já referido Pelotão de Acompanhamento, onde receberiam instrução de diversas especialidades. Incluíram-se, no grupo, todos aqueles que se presumia não seguirem para o Ultramar por qualquer razão oficialmente aceite como, por exemplo, serem amparo de mãe ou já terem irmão mobilizado.

Secção Mouga

1º. CaboAt Sequeira, SoldAt Freitas, SoldAt Horta, SoldAt Santos, "o Porto", FurMilInf Mouga e SoldMecArmLig "o Braga"

Foi, apenas, durante a IAO - em que eu não estive presente - que se constituíram os chamados Grupos de Combate, pela transformação de cada um dos tais "Pelotões" num grupo formado por três Secções, cada uma das quais comandada por um Furriel (ou Sargento) e que integravam uns quantos elementos especializados em armamento pesado (metralhadora, morteiro e lança-granadas-foguete, vulgo, bazooka) que haviam sido treinados no meu Pelotão de Acompanhamento. Não foram atribuídos os restantes especialistas (escriturário, cifra, telefonistas, telegrafistas, enfermeiros, clarins, cozinheiros, condutores e mecânicos) que formaram equipas à parte e com escalas de serviço autónomas, bem como alguns militares atiradores que foram destinados a serviços do quartel (ordenanças, equipas de água e lenha, de caça e outras. Fruto deste conjunto de trocas, o Pelotão de Acompanhamento ficou estruturado de modo exactamente igual aos restantes, passando a designar-se por 4º. Grupo de Combate.

Algures, no Norte de Angola - 1965

Terreno limpo de capim, por queimada, e zona de floresta semi-tropical, coincidente com curso de água

Reconhecem-se: SolApMort David, 1º.CaboAt Manuel Pereira, SoldAt Horta, SoldAt Almeida e 1º.CaboAt Sequeira

Em resumo, a minha Companhia, a CArt 739, enquanto aquartelada no Tôto actuava com base em 4 Grupos de Combate, cada um dos quais constituído por três Secções com seis praças e um Sargento mais um Comando, que se compunha do Alferes comandante, e de um atirador especial, num total de vinte e três militares a que acresciam, nomeados por escala, um enfermeiro e um radiotelefonista, nas operações apeadas, perfazendo vinte e cinco homens. Os restantes especialistas eram atribuídos consoante as necessidades da operação em curso.

Mais tarde, instalando-me como Pelotão Independente (Mussende e Cubal) o Grupo de Combate foi reforçado com os necessários condutores, mecânico, telegrafista, cozinheiro, clarim, e demais pessoal, especializado ou não, retomando, então, a sua estrutura clássica de que tomara conhecimento no Manual atrás referido

VETERANO