Exterior do Café do Leitão - 1966
FurMilInf Ventura e 2º. SargArt Santa
(À porta, vê-se, ainda, a Mulher do proprietário. Ao fundo, sentados, o SoldAtInf Martins e o SoldEnf Júlio)
A 8 de Janeiro de 2008 faleceu D. Maria Estefânia Anacoreta, pouco tempo após ter protagonizado um documentário que a RTP transmitiu sob o nome de “A Voz da Saudade”.
Não tive oportunidade de ver esse documentário, mas tenho razões para deixar transcrita a sua sinopse, que obtive AQUI, exactamente hoje, o dia do terceiro aniversário do seu falecimento.
Quem foi Maria Estefânia Anacoreta?
«Uma mulher portuguesa que levou mensagens das famílias dos militares para uma frente de guerra»
«Há mais de 40 anos, em plena guerra colonial, uma mulher de Santarém percorreu durante sete meses quase 20 mil quilómetros pelo mato e a floresta de Angola. Foi dar a ouvir, a mais de mil soldados do seu distrito, mensagens gravadas pelos familiares. O seu nome era Maria Estefânia Anacoreta. Esta é a sua história.
Tinha então 47 anos. Com um gravador de som, percorreu o distrito a pedir aos familiares de soldados a combater em Angola (mães, esposas, filhos, namoradas e até madrinhas de guerra) que gravassem mensagens para ela própria reproduzir à frente dos militares. Assim fez, numa épica viagem pelo interior de Angola que durou seis meses, por avionete e por estradas e picadas. O documentário evoca as emoções que este anjo da guarda despertou junto desses soldados, ao aparecer-lhes de surpresa nos aquartelamentos, matando-lhes as saudades e transmitindo-lhes um sentimento de ânimo e de esperança.
Regressada a Portugal, tentou fazer o mesmo para quem combatia na Guiné, voltando a calcorrear o seu distrito a recolher novas mensagens, mas o estado da guerra naquela colónia impediu-a de partir, e os homens de Santarém aí estacionados nunca ouviram as gravações dos seus familiares.
A protagonista desta história, que conservava consigo o mesmo gravador portátil utilizado na época, assim como as mensagens que recolheu para os soldados na Guiné, participou na produção do documentário, nomeadamente indo procurar, ao fim de quase quatro décadas, alguns desses antigos militares e pondo-os a ouvir pela primeira vez o som dos pais já falecidos ou dos filhos então acabados de nascer.
Maria Estefânia Anacoreta faleceu em 8 de Janeiro de 2008, aos 89 anos de idade, poucas semanas depois da finalização deste documentário.»
Tive a honra de conhecer D. Maria Estefânia Anacoreta.
Em 1966, fui, em dia de que me não recordo com exactidão, chamado ao Quartel-General da Zona de Intervenção Leste, na cidade do Luso. Ali viera, comandando a escolta à equipa de reabastecimentos que, periodicamente, lá se deslocava.
Chegado ao Quartel-General da Zona, fui apresentado a uma Senhora que me disseram pertencer ao Movimento Nacional Feminino de Santarém, e que, naquele momento, fazia uma coisa única e verdadeiramente extraordinária: visitava os soldados do seu Distrito levando-lhes palavras de saudade das respectivas Famílias. Recebi ordem de a transportar ao quartel do Lucusse onde pernoitaria e contactaria os militares que procurava, caso os houvesse, seguindo, posteriormente, para outra Unidade. Chamava-se, a Senhora, Maria Estefânia Anacoreta.
Preocupado com a situação invulgar, ordenei a alguns soldados que tratassem de colocar alguns sacos de terra sob o assento da Mercedes - a viatura mais resistente que tinha na coluna – bem como alguns mais à sua volta, do que resultou uma espécie de casulo, onde a D. Maria Estefânia, com grande incómodo com certeza, viajou.
Regressámos ao Lucusse sem quaisquer incidentes. A presença da Senhora foi uma surpresa geral na minha Unidade. Convidada para a “messe de oficiais” (uma simples mesa no “JC” do Comando), mandámos confeccionar um jantar apressado, que se prolongou pela noite dentro, transformado em conversa interessantíssima sobre as muitas e variadas aventuras da Senhora, nas suas andanças por Angola.
No dia seguinte, seguiu para a Unidade mais próxima, escoltada por um outro Grupo de Combate.
Uns meses depois, tive, juntamente com um outro Alferes da minha Companhia, o gosto de a rever. No restaurante de um hotel de Nova Lisboa, onde almoçávamos com um casal conhecido, reparámos numa Senhora que, sozinha, acabara de se sentar numa mesa próxima. Reconhecêmo-la imediatamente e, após solicitarmos licença ao casal presente, convidámo-la para que se sentasse connosco. D. Maria Estefânia deu-nos essa honra, e retribuiu-nos o convite com mais algumas peripécias da sua “comissão”.
Após o meu regresso vi-a, uma ocasião, entrevistada na RTP, salvo erro por Fialho Gouveia. Acabara de regressar e não regateara dar a conhecer toda a sorte de aventuras por que passara.
Nunca mais soube dela, até à notícia da sua morte, que me fez reviver todos estes episódios.
VETERANO