Penso que foi num dia de reabastecimentos que recebemos uma das raras visitas do nosso Comandante. A lembrança que tenho é a de um dia de intenso movimento no quartel do Tôto, possivelmente em virtude das numerosas colunas provenientes das várias unidades do Subsector. Não me recordo se o dia em questão coincidia com a escala do Nord Atlas que fazia a carreira militar Luanda-Tôto-Maquela do Zombo. mas julgo que sim. Havia gente que, por razões várias, tinha de deslocar-se de, ou para, Luanda e o meio de transporte era aquele avião. Havia. também, uma carreira civil, dos TAA, mas, como custava dinheiro, era usada, pelo menos pelos militares, apenas em último recurso.
Fosse como fosse o nosso Comandante estava, nesse dia, no Tôto e, tanto quanto me recordo, de muito mau humor. Porquê, igualmente não me lembro. Fardado, como sempre, de camuflado - nunca o vi fardado de outra maneira, nem mesmo num dia em que o encontrei em plena Luanda - atravessava a parada do quartel a passos largos interpelando todos com quem se cruzava, pelos motivos mais variados.
Quanto a mim, acabara de sair da messe de oficiais (que era no primeiro andar do edifício do antigo hotel do Tôto. No rés do chão, ficavam diversos serviços, como o gabinete do comandante da CArt, a secretaria, a enfermaria, etc.), descera as escadas e dirigia-me, precisamente, para a porta de armas, atravessando a parada no sentido contrário ao do nosso Comandante. Aqui sucedeu uma daquelas situações que, verdadeiramente, se não compreendem. Tão absorto me deslocava, preocupado, eventualmente, com qualquer assunto que, penso eu, seria de importância, cruzei-me com o Comandante mas sem o ver - é mesmo isso, não o vi! - o que poderá parecer impossível, dada a curta distância entre nós. Até hoje, e já lá vão cerca de 46 anos, nunca encontrei qualquer explicação para o facto, que, aliás, uma ou outra vez, se repetiu ao longo da minha vida. Foi como que uma "branca" que tivesse apagado tudo o que me rodeava, restando apenas eu e o problema que levava comigo.
Despertei para a realidade com a severa observação do TenCel Cabrita Gil, "Então, nosso Alferes, já se não faz a continência ao seu Comandante?", a que se seguiu um raspanete, inteiramente merecido, aliás, mesmo ali, à frente de uns quantos soldados que pararam estupefactos. Envergonhado pelo desrespeito para com uma pessoa que muito me considerava - em várias ocasiões, vários camaradas mo confidenciaram - balbuciei uma atabalhoada desculpa que não conseguiu, a ele, serenar a sua zanga e a mim apagar a sensação forte de mal-estar.
Quando regressei à messe, terminada que foi a minha diligência, já o Comandante lá se encontrava. Não me inibindo com as presenças, em sentido, como bom militar que me considerava ser, renovei o pedido de desculpa.
VETERANO
PS - Sob as escadas de acesso à messe, nidificava, no tempo próprio, um número enorme de andorinhas em ninhos de lama solidificada, ninhos estes que ficavam nas paredes, de uns anos para os outros. O CapArt Fernando Mira, a determinada altura, mandou efectuar uma limpeza e caiar as paredes, mas o certo é que, quando as andorinhas regressaram, não desistiram do local e, embora os ninhos já lá não estivessem, não demoraram muito tempo a construir novos. A natureza impunha as suas leis, independentemente da vontade dos homens.
PPS - Fui contactado, por correio electrónico, pelo Sr. Gonçalo Trigo Cabrita Gil, neto do TenCel Cabrita Gil, a quem, daqui, endereço os meus cumprimentos. Foi esse contacto o "leitmotiv" deste postal. E, prometo, haverá ainda outros mais. Fotografias, é que, infelizmente, não tenho.
SP
1 comentário:
Tantas vezes eu permaneci neste local...E muitas brincadeiras fizemos na formatura.Meus ricos anos de juventude...Quem me dera...
Enviar um comentário