Teve, por Unidade mobilizadora, o Regimento de Artilharia Ligeira 1, de Lisboa. Constituído por três Companhias operacionais e uma de comando e serviços - C.ART 738, C.ART 739, C.ART 740 e CCS - desembarcou em Luanda no dia 18 de Janeiro de 1965. Regressou à Metrópole em 1967, aportando ao cais da Rocha do Conde de Óbidos a 9 de Março.


segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

In Memoriam - José Arnaldo Martins Carneiro

Faleceu ontem de madrugada e foi hoje a inumar, o Arnaldo Carneiro, que fez parte do meu Grupo de Combate (o 4º Grupo da Companhia de Artilharia 739). A triste notícia fora-me comunicado pelo seu Neto, logo pela manhã de ontem.

Na pequena localidade onde vivia e onde toda a gente se conhece, uma pequena multidão juntou-se para o acompanhar à sua última morada. Eu próprio me desloquei do Porto, acompanhado do Gonçalo Almeida e da sua Mulher, a D. Piedade, bem como do Artur Pinto (o pequeno grupo organizador das confraternizações anuais do BArt 741) para assistir às exéquias e participar no seu funeral. Outros camaradas de armas lá se apresentaram também, o Pinheiro, o Oliveira, O Leão, o Cunha e o Espinheira (também acompanhado da sua Mulher) que era um amigo do Arnaldo desde, salvo erro, os tempos da recruta. A amizade, cimentada pelo perigo ( e só quem "fez" a guerra sabe o que isso é !), permaneceu sempre grande: ao longo destes cinquenta anos não limitaram a sua convivência às confraternizações anuais, antes, foram muitas as vezes em que as duas famílias se encontraram, ora na casa de um ou na do outro.    

Não me recordo quando o Arnaldo Carneiro chegou ao meu Pelotão no, então, Regimento de Artilharia Ligeira 1, a nossa Unidade mobilizadora. Não faz parte do grupo cuja fotografia se encontra na coluna da direita sob  o título "Por Onde Andará Esta Gente", mas admito que terá chegado num segundo grupo de recrutas, posteriormente redistribuído pelor Pelotões por razões operacionais.

De facto, naquele tempo, fui encarregado de instruir um numeroso grupo de recém-chegados recrutas no que respeitava ao armamento "pesado" de Infantaria: Metralhadora, Lança-Granadas-Foguete (vulgo, bazuca) e Morteiro. Muitos desses recrutas foram, mais tarde, completar os outros Pelotões como "especialistas" neste tipo de armamento. Alguns, como é evidente, permaneceram no meu próprio Grupo de Combate (agora sim, já se pode chamar assim), ficando a Companhia com quatro grupos homogénios em homens e equipamento.

Penso que o Arnaldo Carneiro terá sido integrado no grupo de instruendos de bazuca, pois, em Angola, pertencia à Secção do 2º Sargento Fernando Santa. Curiosamente, a arma nunca terá sido usada, nem mesmo em carreira de tiro. Era incómoda de transportar em missões apeadas, sobretudo em zonas densamente florestadas, e não demorei muito tempo para abandonar o seu uso, aumentando o número de granadas de-mão e de metralhadoras ligeiras - FN's de cano reforçado e bipé. 

Pelas razões apontadas, o Arnaldo Carneiro, tal como a maioria dos seus camaradas, acabou por se acomodar à sua FN, como se pode ver na fotografia acima.

A CArt 739 foi aquartelada no Tôto, tendo-se logo iniciado um vasto programa de apoio social à comunidade indígena que vivia nos arredores do quartel. Consistia ele na organização e exploração de uma grande lavra para o cultivo de frescos de que a tropa necessitava e cujo pagamento. o nosso Comandante de Companhia, o Capitão Fernando Mira, impunha que fosse destinado, pelo menos em parte, para a compra dos materiais de uma casa de tipo europeu. O trabalho da construção seria fornecido pela tropa, gratuitamente.

O Arnaldo Carneiro foi um dos escolhidos para colaborar no programa, pelos seus conhecimentos de marcenaria. Ele e uma meia-dúzia de outros militares, deslocaram-se, a determinada altura, para Carmona, lá ficando aquartelados, procedendo ao fabrico de janelas e portas. Mais tarde, foram recolhidos - foi, precisamente, o meu GC que os foi buscar e ao material - e regressaram ao quartel. Depois das portas e janelas terem sido colocadas, voltou a integrar a sua Secção.

Passámos cerca de um ano na localidade referida, findo o qual o Batalhão foi ocupar uma vasta área na Zona Centro, perfeitamente pacificada. O 4º GC foi colocado no Mussende distante da sua Companhia cerca de 150/200 Km. Tinha prometido ao pessoal uma situação repousante, de modo a que pudéssemos todos, descansar do enorme esforço desenvolvido no Norte. O serviço era simples: uma Secção de serviço e outra em patrulhamento, caso houvesse viatura em condições.

A situação durou menos de três meses. Recebemos, então, ordem de partir para a Zona Leste, devendo encontrarmo-nos  com a restante Companhia em Nova Lisboa. Seguiram duas Secções - uma delas incluía o Arnaldo - e parte do Comando, por necessidade de deixar o Quartel do Mussende ocupado. De Nova Lisboa seguimos para o Luso e, posteriormente, para o Lucusse, onde ficámos como tropa à disposição do Estado-Maior da Zona, vulgo, tropa de Intervenção.

No Lucusse construiu-se (talvez melhor dizendo, montou-se...) um aquartelamento JC pré-fabricado em madeira. Uma vez mais a habilidade do Arnaldo Carneiro foi posta à prova, juntamente com camaradas com outras qualificações (trolha e pedreiro, sobretudo). Como cada GC construía a sua caserna, terminadas estas intensificou-se a actividade operacional, na nossa zona próxima e, mais distantemente, isoladamente ou em coordenação com Comandos, Fuzileiros e Paraquedistas. Numa dessas muitas operações faleceu um especial amigo do Arnaldo Carneiro, o Soldado Artur Dias dos Santos, o "Palhaço".

Por alturas do Natal, fomos transferidos para Benguela, o que se processou através de uma viagem de comboio de cerca de dois dias e meio. o 4º GC, de Benguela partiu para o Cubal uma pequena e bonita cidade. Foi lá que passámos o Carnaval daquele ano de 1967. Um dia, chegaram os "Maçaricos" para nos renderem, regressámos a Benguela de onde partimos, pouco depois, para Luanda, a fim de regressarmos à Metrópole onde chegámos a 9 de Março de 1967.

-----------------------------------------------

Passado algum tempo, não sei exactamente quanto, aproveitando uma pequena lista de endereços que possuía, acrescida com mais alguns que fui recolhendo, realizei, nos arredores do Porto um jantar de confraternização. O número de confraternizantes era reduzido (não sei se chegaria aos 20), e resumia-se a alguns residentes na cidade do Porto e uns quantos nos arredores de Paços de Ferreira e de Lousada, entre os quais o Arnaldo Carneiro.


Foi a partir daqui que o relacionamento com aquele pequeno grupo de camaradas se intensificou. Recordávamos os bons e os maus momentos passados e íamos transmitindo, uns aos outras, a nossa evolução pessoal. Quase todos, senão mesmo todos, haviam casado, entretanto. O Carneiro foi um deles. Ele e a excelente Esposa que teve a sorte de encontrar, inciaram, construíram e consolidaram uma Família que é modelar. Mas não só: profissionalmente progrediu e autonomizou-se criando, sem dúvida com grande esforço, uma indústria de marcenaria de elevado nível, reconhecida pela Autarquia que, oficialmente, lhe concedeu um distinção de Mérito.

Em 2014 a nossa confraternização anual realizou-se em Fátima e o Arnaldo não faltou como, julgo eu, nunca faltara antes. Terá seguido, segundo creio, na excursão do Pinheiro e, quando se despediu, findo o convívio, foi com um "até para o ano", como habitualmente fazia.

Pouco tempo depois tomei conhecimento que o Arnaldo havia sofrido um AVC  quase logo seguido de um outro que o afectaram profundamente, sobretudo pela paralisia superveniente. Toda a Família conjuga esforços e, durante cerca de dois anos e meio, rodeiam o Arnaldo de todos os cuidados necessários ao seu estado, 

Hoje, finda a Missa fúnebre, despedi-me do Arnaldo Carneiro com um "Até breve"! Deus tenha em Paz a sua Alma!

VETERANO
     

NOTA 1 - Este postal foi escrito em data posterior àquela em que consta como tal.
NOTA 2 - Este postal ainda é um esboço e irá ser, sem qualquer dúvida, várias vezes actualizado. Feliz ou infelizmente, as minhas muitas obrigações, sobretudo familiares, não me deixam grande tempo livre para me dedicar, com a necessária calma, à escrita. Para me sentir mais comprometido, aqui fica a minha promessa de dar ao blogue mais algum do meu tempo disponível.