Encontrando-se de visita a Angola, o Subsecretário de Estado do Fomento Ultramarino incluiu no seu périplo uma viagem ao Quanza-Sul, tendo-se deslocado, em 23 de Julho de 1966, à Gabela, Boa Entrada e Novo Redondo, acompanhado pelo Governador Geral de Angola, bem como pelo pelo Governador daquela Província, entre outras entidades.
Coube-me a tarefa de proceder à segurança da comitiva enquanto estivesse na zona de intervenção da CART 738, e lá fui com a minha secção, reforçada, em cumprimento da missão.
Tudo corria normalmente, até que, na visita às instalações de descasque de café da CADA (para quem não saiba era, à época, uma das maiores companhias agrícolas do Mundo), na Boa Entrada, aconteceu o imprevisto.
Naquela data, e na mesma hora em que se realizava a visita, disputava-se em Inglaterra o jogo Portugal-Coreia do Norte, a contar para os quartos-de-final do Campeonato do Mundo, que estava a correr mal para as nossas cores. Decorridos 25 minutos, Portugal perdia por 3-0.
Achei que nada de mal aconteceria às ilustres figuras lá dentro e, depois de dar uma olhadela, saí, ficando à porta na companhia de um grupo que, rodeando o portador de um rádio, ouvia ansiosamente o relato. Eis senão quando, Eusébio “abre o livro” e, dando início a uma exibição de luxo, marca o primeiro dos seus 4 golos que, com mais um de José Augusto, acabariam por inverter o resultado. Como estarão recordados, ganhámos por 5-3.
Mas o insólito aconteceu quando Eusébio marcou o terceiro golo de Portugal. Cá fora, começámos a ouvir uma enorme gritaria dentro das instalações.
Interroguei-me sobre o que estaria acontecendo e entrei rapidamente para identificar a razão de tanto alarido. O que tinha acontecido é que a solenidade que até aí tinha presidido à visita, tinha desaparecido. Toda aquela gente, que minutos antes estava sisuda e cheia de cerimónias, pulava e gritava, trocando abraços.
Tudo isto, porque lá dentro alguém tinha ligado um pequeno transístor, e embora o som estivesse baixo, foi tal o seu entusiasmo com o golo do empate, que não resistiu a gritar “golo de Portugal!”.
E aí acabou a visita à Boa Entrada. Todas aquelas ilustres personalidades ficaram ali, parados, a ouvir o resto do relato, até terminar o desafio.
"Entregue" a comitiva no limite da zona, aos militares de Novo Redondo, voltei para a Gabela, onde , entretanto, se tinha formado um extenso cortejo automóvel, com buzinadelas, cânticos, enfim, uma festa. Mandando às urtigas o RDM, incorporámos a viatura militar no cortejo e lá andámos, para trás e para a frente, o que me valeria uma forte repreensão, que incluiu a ameaça do “auto das passas” (*) por parte do comandante da Companhia, mas que, confesso, pouca mossa me fez face à excitação dos acontecimentos daquele dia.
Aliás, a noite acabaria em festa, na casa do civil Zeca Reais (bom amigo, já falecido), onde eu e outros camaradas, o ajudámos a ver-se livre de alguns saborosos petiscos, acompanhados de uma garrafa de um excelente “chá” da Escócia.
(*) O “auto das passas” tem a ver com uma estória de Lucunga, que talvez ainda conte aqui, noutra ocasião.
Carlos Ribeiro da Fonseca
CART 738