sexta-feira, 28 de maio de 2010
In Memoriam --- 08 - Carlos Alberto Couto Ramos
sábado, 22 de maio de 2010
E, Para Tudo, Há Sempre Uma Primeira Vez...
Estava-se em plena Estação das Chuvas. Por aquelas paragens e por essa altura do ano, sucedia um fenómeno a que não estávamos habituados: o dia apresentava-se com o céu limpo e a temperatura, logo pela manhã, atingia valores muito elevados. De repente, sensivelmente à mesma hora, em cada dia, começava a ventar, o céu, em poucos minutos cobria-se de nuvens negras e desencadeava-se uma furiosíssima tempestade. A chuva era torrencial, as faíscas caíam por todo o lado e os cursos de água aumentavam assustadoramente de volume. Talvez nem uma hora depois, tudo voltava a serenar, desapareciam as nuvens do céu, o sol brilhava de novo e o calor explodia. A humidade era elevadíssima e era um martírio caminhar no meio daquele capim, cujo tamanho escondia perfeitamente uma pessoa em pé. No dia seguinte, repetia-se o fenómeno.
Os rios e riachos, por pequenos que fossem, normalmente transbordavam e se, porventura, nos descuidássemos, corria-se o risco de nos desorientarmos. O terreno depois da tempestade já não era o mesmo de antes dela. Havia água por todo o lado e a progressão ficava muito dificultada.
No cumprimento da ordem recebida mandei preparar as viaturas e carregá-las com o material pedido. O meu pessoal foi equipar-se e, após recebermos as rações de combate que se previa serem necessárias, seguimos para o local referido no rádio.
Não ia muito confiante e julgo que o meu pessoal também não. Era a primeira vez que operava naquelas condições, desconhecia qual a actividade do inimigo na zona e receava, sobretudo, que, em caso de necessidade, não fosse capaz de comandar convenientemente. Por muito treino que tenhamos, é a acção que nos ensina os procedimentos, através dos erros que vamos cometendo. Só que, aqui, os erros podiam pagar-se com a vida…
Os condutores já conheciam o caminho, pois eram os mesmo que tinham levado os Grupos em operações ao ponto de largada. Era menos uma preocupação até porque não existiam quaisquer cartas militares, utilizando-se, apenas fotografias aéreas demasiado imprecisas e vagas. Só a sucessão dos patrulhamentos nos foi permitindo, a pouco e pouco, ir conhecendo a área de acção. Ao fim de uns meses já não queria saber das fotografias aéreas para nada!
A determinada altura do percurso era necessário atravessar um riacho com um “pontão” que não passava de dois ou três pequenos troncos de árvores pousados numa e noutra margem. As chuvas, todavia, haviam levado tudo e, embora o riacho não fosse fundo naquele ponto, corria-se o risco de se não conseguir passar. Os condutores, mais experientes do que eu, sugeriram-me que se ganhasse velocidade na descida antes do rio, de maneira a que as viaturas passassem para o outro lado e depois se veria.
Concordei. Convém, todavia, dizer que a coluna era composta por jipões do tempo da segunda guerra, mais prontos para a sucata do que para o que deles se exigia, e que só andavam em virtude do “desenrascanço” característico da tropa. Ora sucedeu que, com mais ou menos sorte, o primeiro e o segundo lá passaram para o outro lado, mas o terceiro, com o salto sofrido na tentativa de atravessar o curso de água, avariou ali mesmo e já não saiu do riacho.
O mecânico, que acompanhava sempre as colunas motorizadas, começou imediatamente a trabalhar, enquanto o Sol ia descendo para o ocaso. As noites caiem depressa nos trópicos e, em pouco tempo era noite cerrada e, para o especialista continuar a tarefa foi necessário acender as luzes de uma das viaturas, de modo a iluminar o jipão avariado. Era uma situação extremamente vulnerável e, consciente disso mesmo, ordenei o reforço das sentinelas ao longo da picada, de um e do outro lado do riacho.
Horas depois, sem resolver o problema do jipão, decidi deixar o caso para o dia seguinte, tratámos de mastigar qualquer coisa e deitámo-nos para dormir.
Às tantas da noite um restolho fora do normal chamou a atenção de uma sentinela que, temerosa e pouco experiente (se alguém me disser que nunca teve medo…eu não acredito!), não esteve com meias medidas e disparou uma rajada de FN para o local, Toda a gente acordou e se precipitou para a água do riacho como de uma trincheira se tratasse.
Não houve mais ruído e, amanhecendo entretanto, como nada de especial detectássemos, concluímos ter sido um qualquer animal em busca de água que se assustou com a nossa presença.
Decidido a continuar a qualquer preço, mandei afastar o jipão do caminho, à força de braço e de guincho, e fiz passar, pelo lado, o jipão do guincho, com o qual mandei guindar as viaturas. Mais nenhuma avariou, Quanto àquele, não me recordo se o problema foi resolvido ou se foi a reboque.
Entrando em contacto com as forças em operações, incorporámo-nos nelas, mas, em breve, todos regressaram devido às condições do terreno e à ausência de forças inimigas.
A cereja no cimo do bolo foi o “puxão de orelhas” dado pelo Cap Art Fernando Mira que não aceitou o facto de eu ter “intervalado” a progressão da coluna. No dizer dele, um militar só pára depois de ter cumprido a missão. Nunca antes!
Aprendi a lição e, jurei a mim mesmo, tornar-me no melhor subalterno da CArt. Obviamente, não consegui, mas, pelo menos, tentei!
A segunda missão de que participei foi a reconstrução deste mesmo pontão. Mal chegados ao quartel, foi isso mesmo que me tocou em sorte! As fotos que acompanham este postal são, exactamente, dessa altura.
domingo, 16 de maio de 2010
Mussende Revisitado - Parte 2
Da familia Leitão disseram-me há dias que estariam lá dois filhos.
O vosso quartel deixou mais tarde de sê-lo e tornou-se agência bancária do Totta Standard de Angola.
sexta-feira, 14 de maio de 2010
PAPA BENTO XVI
sexta-feira, 7 de maio de 2010
O "Reintegrado" do Lucunga
Em meados de Abril de 1965, apresentou-se no posto administrativo de Lucunga um jovem negro que afirmava ser natural daquela localidade. Segundo ele, teria fugido com os pais para Kinshasa em consequência dos massacres de Março de 1961. Resolvera regressar e, sendo cidadão português nascido em Angola, pretendia integrar-se na sociedade angolana.
Enquanto decorriam as necessárias formalidades, ficou alojado nas instalações do posto administrativo, tendo-se tornado uma espécie de hóspede de todos nós. Circulava livremente pela povoação, falava sobre a vida que levava em Kinshasa, tomava parte activa nos nossos jogos de futebol, e ia bebendo as cervejas que um ou outro lhe pagava na cantina.
Deste modo, levávamos à prática a política de Acção Psico-Social, tão cara às autoridades nacionais e, muito particularmente, ao nosso comandante de Batalhão.
De vez em quando, tinham lugar no edifício do posto renhidos jogos de cartas, durante os quais se bebia brandy (já então o Constantino era famoso) e cerveja, conforme os gostos.
No dia 12 de Maio, decorria um desses jogos. Além dos jogadores havia, como de costume, alguns assistentes. Um desses assistentes era o jovem negro recém-apresentado que, não poupando na bebida, começou a apresentar uma loquacidade que surpreendeu os presentes, que lhe foram puxando pela língua, com a ajuda do álcool que ia bebendo.
E qual não é o espanto de todos quando ele começa a dizer que conhecia todos os cantos do “quartel”; sabia onde eram os alojamentos de todos os militares, fossem oficiais, sargentos ou praças e conhecia todas as rotinas da Companhia; finalmente, acabou por dizer que tinha ido a Lucunga para espiar e que tinha chegado a hora de se ir embora.
Dito isto, saiu disparado porta fora em direcção ao campo de futebol e à saída poente da localidade.
De todos os presentes, apenas o comerciante Santos estava armado. Saiu atrás dele, tirou a pistola do coldre e fez dois disparos. Ao segundo disparo o fugitivo parou, no meio do campo, com as mãos no ar.
Conduzido à sala de comando, onde foi sujeito a longo e insistente interrogatório, pouco revelou. Confirmou que tinha sido mandado pela FNLA para recolher informações, e adiantou que fugira porque tinha à sua espera no hospital (situado a algumas dezenas de metros da povoação e parcialmente em ruínas) um grupo da FNLA para o escoltar de volta a Kinshasa, onde apresentaria o seu relatório.
Alguns dias depois, a Rádio Brazzaville confirmaria a estada dos FNLA's no hospital e aproveitaria para fazer a habitual propaganda, acusando-nos de termos praticado as maiores diabruras durante o interrogatório.
Algum tempo depois, já quase recuperado do susto que apanhou ao sentir as balas da pistola do Santos a assobiarem junto à cabeça, foi entregue ao comando do Batalhão, no Vale do Loge.
Meses mais tarde, militares da Companhia que se deslocaram a Carmona, em serviço, encontraram-no. Parece que tinha sido mesmo recuperado e era contínuo na Repartição de Finanças.
Parecia muito contente. Mas estaria mesmo recuperado?
Carlos Fonseca
CArt 738