Episódio nº 1
No decorrer de um jogo de futebol que, como acontecia quase todas as tardes, teve lugar em Lucunga, num dos últimos dias de Julho de 1965, fui rasteirado e caí violentamente sobre o meu braço direito.
Queixando-me de fortes dores, desloquei-me ao posto médico, onde o Dr. Salazar Leite, me examinou o pulso, onde a dor era maior, tendo concluído que não havia fractura, mas apenas uma contusão, que seria debelada rapidamente.
Todavia, a dor persistia e eu não conseguia fazer qualquer esforço com a mão direita. O Dr. Leite insistia que não havia fractura, e parecia que estávamos num impasse. A situação estava a complicar-se, porque – eu sabia como “funcionavam” as coisas nestas circunstâncias – não tardariam as insinuações de que estaria a “baldar-me” a ir para o mato.
Entretanto, no princípio de Agosto – creio que no domingo, 8 – deslocou-se a Lucunga uma delegação da CART 739, para uma jornada de confraternização. Como era hábito, houve futebol, de manhã, seguido de farto almoço (cozido à portuguesa, nas messes).
Ora, da comitiva fazia parte o Dr. António Terrinha, que a pedido do Dr. Leite, viu o meu pulso. E, à segunda apalpadela, declarou que eu tinha uma fractura, e que, na sua opinião, deveria seguir para o Hospital Militar de Luanda para tratamento.
Assim se fez, e a radiografia feita no Hospital confirmou o diagnóstico de fractura, tendo acabado por ficar em Luanda quase cinco semanas em tratamento.
Por vezes, ainda me questiono sobre o que teria acontecido se não fosse a providencial visita do pessoal da 739.
Episódio nº 2
Tenho ainda outra estória em que fui interveniente, e na qual o Dr. Terrinha teve, de novo, um papel relevante.
Em Agosto de 1966, já colocado na Gabela, fui a uma consulta de Oftalmologia, a Luanda.
Da Gabela para Luanda consegui boleia, evitando assim ter de fazer a desconfortável viagem no machimbombo da carreira, que levava o dia inteiro para fazer o percurso.
Porém, apesar de todas as diligências nos poisos habituais, não consegui encontrar quem fosse para os lados da Gabela ou, ao menos, quem me desse boleia até à Quibala. Daí para a Gabela já era mais fácil.
Desanimado perante o cenário de um dia inteiro de incómoda viagem, entrei na Cervejaria Amazonas para ao menos me reconfortar com um lauto jantar. Aí sentado a uma mesa encontrava -se o Dr. António Terrinha, com a esposa e filhos (que, se a memória não me atraiçoa , eram dois). A seu convite tomei lugar à mesa e falei-lhe na minha “desdita”.
Não me recordo, naturalmente, dos termos exactos. Mas, mais palavra, menos palavra, o que ele me respondeu, foi:
Ó Fonseca, eu vou amanhã para o Calulo onde, como sabe, está um pelotão da 738. Logo, você vai comigo e, para todos os efeitos, está apresentado na sua unidade. O Casimiro (era o alferes comandante do pelotão) manda um rádio para a Gabela a dar conta da sua apresentação. E depois, como todas as semanas há viaturas a a circular uma ou duas vezes entre a Gabela e o Calulo, você em menos de dois dias está na Gabela.
Aquilo não me pareceu muito regular (ainda por cima o comandante de companhia era o Cap. Carvalho, que não morria de amores por mim), mas eu não queria mesmo ir no machimbombo, e não foi muito difícil deixar-me convencer. E lá fui no dia seguinte para o Calulo, que não conhecia.
E tudo bateu certo. As coisa passaram-se exactamente como o Dr. Terrinha previra. E ainda não foi desta que senti o peso do RDM.
Ao contar estes dois episódios presto também a minha homenagem a um homem bom e generoso. Um ser humano com qualidades que o distinguiam entre os seus pares.
Carlos Fonseca
CArt 738
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