Terminei o meu Curso de Oficiais Milicianos em meados de Dezembro de 1963. Nos últimos dias deste mês ou num dos primeiros de 1964, não me recordo ao certo, apresentei-me no Regimento de Infantaria 8, de Braga, a segunda das três Unidades que escolhera.Julgo que cheguei a Braga num Domingo, até à meia-noite do qual me deveria apresentar no Regimento.
Almocei num dos restaurantes da Arcada, onde me encontrei com um camarada que já se apresentara e que me pôs ao corrente do que lhe acontecera. Contou-me como fora obrigado a recolocar nos ombros as estrelas de cadete – no lugar do galão de Aspirante, que já levava – pois, segundo lhe dissera o Oficial de Dia, a sua promoção só era efectiva no dia seguinte - como fora “forçado” a efectuar a sua apresentação segundo o ritual das normas militares – em sentido e com as “Vossas Senhorias” da ordem, não podendo fumar sem solicitar licença e obtendo, com dificuldade, autorização para sair para comer alguma coisa, pois na messe – onde a cena se passou – não lhe ofereceram rigorosamente nada! Assim prevenido, retirei o galão – também já o havia posto – e, pelo fim da tarde apresentei-me no Quartel. Passou-se comigo exactamente o mesmo, com a diferença de que, sabendo da “coisa” procedi ao ritual com rigor – suscitando risos disfarçados dos presentes. Foi-me indicado o alojamento e, logo que possível, a ele recolhi.
No dia seguinte, logo pela manhã, todos os cadetes recém-chegados se juntaram à porta do gabinete do Major Magalhães – Director de Instrução – sendo, posteriormente, encaminhados para uma apresentação colectiva ao 1º. e 2º. Comandantes. Fomos informados de um programa de instrução em diversas matérias militares que iríamos frequentar naquela semana, antes de recebermos os recrutas do 1º. Turno de 1964. Autorizados a colocar o galão, iniciámos imediatamente o referido programa de instrução.
Todavia, a situação de frieza e de autoritarismo no relacionamento não abrandou: na messe, permanecíamos afastados dos restantes oficiais, só falávamos com alguém quando directamente interrogados, víamo-nos obrigados a pedir licença para tudo e mais alguma coisa – entrar, sair, fumar, etc.. Éramos tratados por “nosso Aspirante”, nunca pelo nome, e ninguém nos ligava rigorosamente nada.
A tal ponto, a situação era rígida e formal que já “conspirávamos” contra o sistema, maldizendo a hora em que tínhamos escolhido aquele Regimento.
Durou três dias, este estado de coisas. Três dias verdadeiramente horríveis, até que, antes do almoço do quarto dia, foi-nos ordenada a atenção para as palavras de um oficial superior – não me recordo já quem foi, se o nosso Comandante, Coronel Mota Freitas se o Major Magalhães - informando-nos de ter-se tratado da praxe em uso naquele quartel, de que éramos bem-vindos e de que, daí para diante, nos sentíssemos integrados no grupo, sub conditione de ficar, por nossa conta, o almoço daquele dia, obviamente, de “rancho melhorado”.
Permaneci em Braga até, sensivelmente, meio do ano, lá dando duas recrutas, até ser colocado no Regimento de Infantaria 2, em Abrantes, onde dei uma especialidade de Atiradores de Infantaria – por sinal a um grupo de soldados oriundos da recruta do RI 8. Aqueles pouco mais de 6 meses foram dos mais agradáveis da minha vida, sendo com profunda saudade que recordo esse tempo!
VETERANO
PS – Vieram-me à memória estas recordações após uma conversa com uma das minhas netas, recém-entrada numa das nossas Universidades, e submetida a todo um conjunto de actos de praxe, profundamente idiotas, pouco digno de quem os impõe e revelador de baixíssimo grau de educação e, sobretudo, de inteligência e de imaginação, qualidades bem necessárias a futuros doutores, mas que, para nossa e deles infelicidade, parecem possuir em reduzido grau.
Compare, quem quiser, as idiotices actualmente impostas aos jovens caloiros com a forma hábil e fina – quase diria, aristocrática - como fomos praxados em 1964.
VETERANO
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