Teve, por Unidade mobilizadora, o Regimento de Artilharia Ligeira 1, de Lisboa. Constituído por três Companhias operacionais e uma de comando e serviços - C.ART 738, C.ART 739, C.ART 740 e CCS - desembarcou em Luanda no dia 18 de Janeiro de 1965. Regressou à Metrópole em 1967, aportando ao cais da Rocha do Conde de Óbidos a 9 de Março.


sábado, 22 de maio de 2010

E, Para Tudo, Há Sempre Uma Primeira Vez...

No dia imediatamente a seguir à minha chegada (tardia) ao Tôto foi recebido um rádio proveniente dos Grupos de Combate que andavam em operações na AIL recentemente atribuída à CArt 739. Os Grupos encontravam-se sob o comando do próprio Cap Art Fernando Mira o qual ordenava que lhe fosse levado, para além de outro, diverso material para a construção de jangadas.

Estava-se em plena Estação das Chuvas. Por aquelas paragens e por essa altura do ano, sucedia um fenómeno a que não estávamos habituados: o dia apresentava-se com o céu limpo e a temperatura, logo pela manhã, atingia valores muito elevados. De repente, sensivelmente à mesma hora, em cada dia, começava a ventar, o céu, em poucos minutos cobria-se de nuvens negras e desencadeava-se uma furiosíssima tempestade. A chuva era torrencial, as faíscas caíam por todo o lado e os cursos de água aumentavam assustadoramente de volume. Talvez nem uma hora depois, tudo voltava a serenar, desapareciam as nuvens do céu, o sol brilhava de novo e o calor explodia. A humidade era elevadíssima e era um martírio caminhar no meio daquele capim, cujo tamanho escondia perfeitamente uma pessoa em pé. No dia seguinte, repetia-se o fenómeno.

Os rios e riachos, por pequenos que fossem, normalmente transbordavam e se, porventura, nos descuidássemos, corria-se o risco de nos desorientarmos. O terreno depois da tempestade já não era o mesmo de antes dela. Havia água por todo o lado e a progressão ficava muito dificultada.

No cumprimento da ordem recebida mandei preparar as viaturas e carregá-las com o material pedido. O meu pessoal foi equipar-se e, após recebermos as rações de combate que se previa serem necessárias, seguimos para o local referido no rádio.

Não ia muito confiante e julgo que o meu pessoal também não. Era a primeira vez que operava naquelas condições, desconhecia qual a actividade do inimigo na zona e receava, sobretudo, que, em caso de necessidade, não fosse capaz de comandar convenientemente. Por muito treino que tenhamos, é a acção que nos ensina os procedimentos, através dos erros que vamos cometendo. Só que, aqui, os erros podiam pagar-se com a vida…

Fase inicial dos trabalhos!
Reconhece-se o Furriel Ventura, com a sua jóia mais preciosa: o rádio!!!

Os condutores já conheciam o caminho, pois eram os mesmo que tinham levado os Grupos em operações ao ponto de largada. Era menos uma preocupação até porque não existiam quaisquer cartas militares, utilizando-se, apenas fotografias aéreas demasiado imprecisas e vagas. Só a sucessão dos patrulhamentos nos foi permitindo, a pouco e pouco, ir conhecendo a área de acção. Ao fim de uns meses já não queria saber das fotografias aéreas para nada!

A determinada altura do percurso era necessário atravessar um riacho com um “pontão” que não passava de dois ou três pequenos troncos de árvores pousados numa e noutra margem. As chuvas, todavia, haviam levado tudo e, embora o riacho não fosse fundo naquele ponto, corria-se o risco de se não conseguir passar. Os condutores, mais experientes do que eu, sugeriram-me que se ganhasse velocidade na descida antes do rio, de maneira a que as viaturas passassem para o outro lado e depois se veria.

Concordei. Convém, todavia, dizer que a coluna era composta por jipões do tempo da segunda guerra, mais prontos para a sucata do que para o que deles se exigia, e que só andavam em virtude do “desenrascanço” característico da tropa. Ora sucedeu que, com mais ou menos sorte, o primeiro e o segundo lá passaram para o outro lado, mas o terceiro, com o salto sofrido na tentativa de atravessar o curso de água, avariou ali mesmo e já não saiu do riacho.

O mecânico, que acompanhava sempre as colunas motorizadas, começou imediatamente a trabalhar, enquanto o Sol ia descendo para o ocaso. As noites caiem depressa nos trópicos e, em pouco tempo era noite cerrada e, para o especialista continuar a tarefa foi necessário acender as luzes de uma das viaturas, de modo a iluminar o jipão avariado. Era uma situação extremamente vulnerável e, consciente disso mesmo, ordenei o reforço das sentinelas ao longo da picada, de um e do outro lado do riacho.

Horas depois, sem resolver o problema do jipão, decidi deixar o caso para o dia seguinte, tratámos de mastigar qualquer coisa e deitámo-nos para dormir.

Metade do trabalho, praticamente já feito!

Às tantas da noite um restolho fora do normal chamou a atenção de uma sentinela que, temerosa e pouco experiente (se alguém me disser que nunca teve medo…eu não acredito!), não esteve com meias medidas e disparou uma rajada de FN para o local, Toda a gente acordou e se precipitou para a água do riacho como de uma trincheira se tratasse.

Não houve mais ruído e, amanhecendo entretanto, como nada de especial detectássemos, concluímos ter sido um qualquer animal em busca de água que se assustou com a nossa presença.

Decidido a continuar a qualquer preço, mandei afastar o jipão do caminho, à força de braço e de guincho, e fiz passar, pelo lado, o jipão do guincho, com o qual mandei guindar as viaturas. Mais nenhuma avariou, Quanto àquele, não me recordo se o problema foi resolvido ou se foi a reboque.

Entrando em contacto com as forças em operações, incorporámo-nos nelas, mas, em breve, todos regressaram devido às condições do terreno e à ausência de forças inimigas.

A cereja no cimo do bolo foi o “puxão de orelhas” dado pelo Cap Art Fernando Mira que não aceitou o facto de eu ter “intervalado” a progressão da coluna. No dizer dele, um militar só pára depois de ter cumprido a missão. Nunca antes!

Aprendi a lição e, jurei a mim mesmo, tornar-me no melhor subalterno da CArt. Obviamente, não consegui, mas, pelo menos, tentei!

A segunda missão de que participei foi a reconstrução deste mesmo pontão. Mal chegados ao quartel, foi isso mesmo que me tocou em sorte! As fotos que acompanham este postal são, exactamente, dessa altura.

Pausa para a "latinha de conserva"!
Em primeiro plano, o Agostinho.

O "pontão" quase pronto!
A equipa de sentinela também quis aparecer na fotografia!
Reconhecem-se: o "Mano", o "Queijo", o Cerqueira, o Furriel Ventura, o Leite e o Horta!
Não identifico ou não me recordo do nome dos restantes.

VETERANO

1 comentário:

Carlos Fonseca disse...

Algumas situações que descreve são-me familiares.

Quando, recém-chegados a Lucunga, o meu grupo de combate fez a primeira emboscada (que creio ter sido mais uma forma de ambientação ao mato do que outra coisa), também fomos acordados com uma rajada de um dos sentinelas, sem razão aparente.Isto para os que conseguiram dormir, porque acho que o medo deixou a maioria com insónias toda a noite. Também na altura pensámos que devia ter sido um animal.

Tenho igualmente uma "cena" de um jipão "morto" em circunstâncias quase cómicas - e com influência decisiva de uma das violentas chuvadas que descreveu - na estrada entre o Vale do Loge e o Toto. Talvez a conte um dia destes.

Do que tenho inveja é das fotos que vai publicando, tiradas durante as operações. Não tenho nenhuma.

Será que o cap. Rubi Marques não autorizava máquinas fotográficas nas batidas e/ou emboscadas?

Não me lembro.